sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Relíquias dos deuses 1 - A Capa de Mercius

Ser um ladrão já foi mais difícil, na época em que as cidades ainda eram vilas e aglomerados de pessoas perdidas ao redor de templos e adorações quando um ladrão era pego seu futuro era ser espancado até a morte pela multidão enraivecida. Elmeric viveu nesses tempos, mas que podia fazer se era pobre e a comida chamava enquanto o ouro reluzia. Vivia na periferia do que poderia ser chamado o centro dos orelhudos, um enorme templo de adoração a Mercius onde ou você era elfo ou trabalhava para eles.

-Me desculpe... Ahh, é só um bicho... – exclamou nosso herói aliviado depois de ter tropeçado numa daquelas bestas que os elfos usavam para cargas, o animal grunhiu, estava machucado de chibatadas. – Judiaram mesmo de você...
Por mais que fosse um animal, não dava para não ter pena, ferlix... Era esse o nome? Sempre tão maltratados e escravizados, alguns trabalhavam até morrer sendo mais tarde substituídos por outros. Elmeric viu os elfos se aproximarem e se afastou, era um humano perdido no meio de um lugar ao qual não deveria ter visitado. Mas fazia tempo que saíra de casa e prometera voltar com todos os meios para tirar suas irmãs e o pai velho da miséria, não importava o que tivesse que roubar... ou quem.

O Deus da magia e de toda criação deveria lhe perdoar o furto, afinal não precisava de ouro nem de jóias, de comida nem de água, já tinha tudo que poderia querer e o que não tinha poderia criar. Elmeric entrou no templo pelos fundos, como os servos que levam a comida e encomendas dos sacerdotes. Era uma construção alta, com abóbadas e torres pontiagudas, com esculturas e obras de arte, bela e ao mesmo tempo estranha, como algo que foi criado sem se pensar muito no que resultaria da combinação.

-É você o novo carregador? – uma jovem elfa de olhos profundos perguntou ao flagrar Elmeric entrando no salão do templo pela porta dos fundos.

-Sou. – mentiu por falta do que fazer.

-Estão precisando de você na Biblioteca, vá logo para lá. – a elfa mandou com ar de superioridade tão nítido que chegava a ser uma ofensa.

-Claro, minha dama. – Elmeric se curvou, mais para esconder o riso de deboche do que para mostrar submissão, assim que a elfa sumiu de suas vistas entrou correndo nas escadas que levavam até o subterrâneo. – Maldito vendedor de mapas, aqui não é a sala das oferendas só tem papel!

Um barulho de queda fez Elmeric levar um susto e se esconder atrás de uma pilha de pergaminhos, era uma humana provavelmente mais pobre que ele pelas roupas rasgadas que vestia e o modo animalesco que seus cabelos se encontravam. Ela tinha derrubado livros e agora os empilhava para voltar a carrega-los, tossia muito, talvez pela poeira e talvez por doença.

-Não acredito que você derrubou esses tesouros de novo! Mais uma vez e será castigada , Aimee! – um elfo gritou, mais babando do que falando.

-Perdão, senhor, mas a pilha está muito pesada. – a humana franzina e de olhos baixos se escusava.

-Não me venha com desculpas, sua destrambelhada! – Elmeric temeu que o elfo que erguera a mão fosse espancar a pobre moça, então saiu de seu esconderijo. – Quem é você?

-O novo carregador... – e piscou para a moça pegando mais da metade dos livros que ela carregava – O que faço com eles?

-Ela vai te mostrar, agora saíam da minha vista!

Ela não falou nem mais uma palavra, baixou o rosto e foi seguindo com os livros nos braços, morta de vergonha enquanto era seguida pelo ladrão que se fingia de carregador, desceram mais escadas. O mapa malfeito que ele comprara estava errado, no mapa só havia um nível subterrâneo, ali haviam de fato dois, um onde ficavam guardados os pergaminhos, grimórios e mapas e este segundo que Elmeric contemplava com curiosidade.

-Do que é feita essa sala? – ele não se resistiu a perguntar.

-Não é para sabermos, basta que saibamos que pertence aos elfos e ao seu Deus. Venha temos mais coisas para pegar. – ela chamou indo até a porta. – Vamos, não fique aí parado.
Elmeric não se moveu, estava encantado, a parede parecia ser formada de várias pedras preciosas empilhadas e grudadas umas nas outras e havia uma enorme mesa que lembrava muito ouro onde eles haviam colocado os livros. Elmeric só ouvira falar de tal sala nos contos mais estapafúrdios, uma sala de riquezas onde o Sumo Sacerdote do templo se senta para estudar as palavras de Mercius, a sala seria um presente do Deus para seu mais devoto servo.

-Parece ouro... – o ladrão deslizou a mão pela mesa, julgando que sonhava.

-Não toque! Ai se nos pegarem aqui perdendo tempo, esfolam você e eu... – Aimee se adiantou até Elmeric o pegando pelo braço – Vamos antes que o Senhor do Templo chegue!

-Você não tem vontade de pegar pra você? Aposto que uma dessas pedras a tiraria para sempre da servidão... – Elmeric falou encarando a garota que só agora ele notou chorava.

-Por favor, vamos embora... Se nos pegam aqui na cobiça nos arrancam os olhos... E se você pegar algo lhe cortam as mãos! – ela parecia amedrontada. Pulou de susto ao ouvir o som de passos – Ai de nós dois, tem alguém vindo... – ela se jogou contra a parede de olhos fechados, rezava baixinho, mas ele não ouviu para quem.

Os passos ficaram cada vez mais próximos, ele quis que a parede fosse de ar, poderia atravessá-la e puxar a garota junto para que os temores dela não se tornassem reais. Estava tranqüilo, sempre estivera, achava que tudo tinha uma solução, podia se safar, deu uns passos para trás, logo era ele e Aimee encostados na parede, ela rezando e ele esperando...

Uma desculpa na ponta da língua. E então... Continuaram indo para trás, agora a parede estava na frente, podia vê-la, mas não via mais a sala, virou o rosto para trás achando que tinha se virado e não notou, mas não, não estava no mesmo lugar.

-Aimee... Aimee! Abra os olhos, você conhece esse lugar? Onde estamos? – ele perguntou olhando ao redor, era uma sala simples, com uma única porta na parede oposta e uma caixa de madeira enorme no centro.

-Nunca vi esse lugar... Onde você me meteu? Ai de mim! – ela resmungou e a cada resmungo ele a achava mais medrosa e exagerada. – Preciso voltar pra biblioteca, antes que me punam! Preciso, preciso... – e ela saiu correndo pela porta a deixando aberta atrás de si.

-Que diz aqui...? – Elmeric encarou a caixa, não entendia élfico muito bem. Na verdade só aprendera o necessário para sobreviver – Mercius... ? – era a única palavra que reconhecia na caixa, tentou achar a tranca ou a divisória da tampa – Vamos lá... O que tem aí dentro...

Tateou, bateu, chutou e encarou... Nada mudava, não havia fechadura, tampouco tampa, tampouco conseguia levantar a caixa ou movê-la. Deu risada de sua própria teimosia e inutilidade, imaginou que se a caixa fosse um pão comeria o bastante para ver o que tem dentro. Teve que piscar várias vezes para acreditar que a cor da caixa mudou diante de seus olhos, adquirindo um tom marrom claro, deu alguns tapas na caixa e viu que textura também havia mudado. Conseguiu arrancar um pedaço com a mão...

-Ta de brincadeira... – levou à boca, era pão... Morno e saboroso, derretia na boca e enchia a barriga. Continuou comendo e achou que era um tipo de caixa dos desejos, mas então comeu uma grande parte do tampo e percebeu que era oca por dentro. Seu estomago agradecia e os olhos brilhavam curiosos. – Vem com o papai...

O que estava lá dentro brilhava como prata, brilhava tanto que Elmeric julgou que fosse pó de estrelas, mas era sólido e macio, deslizava por suas mãos como seda. De pé admirou aquela prata que formava o tecido mais brilhante que já vira, seu brilho foi diminuindo até se tornar um pano prateado que aparentava ser comum. Virou a capa ao contrário, vermelho como um rio de sangue por dentro e prateado como as estrelas por fora. Preso nos cordões prateados um pequeno bilhete com uma letra bonita dizia: me vista para criar o que sua mente desejar, mas perca a razão e nada conseguirá.

-Magia de Mercius? – Elmeric era um ladrão e como qualquer ladrão cobiçava a magia, mas não sabia usá-la nem entendia as instruções de grimórios ou bilhetes como aquele, então jogou o bilhete fora e vestiu a capa dando risada e se achando invencível. – Agora... Aonde estão os tesouros? – pegou mais um pedaço da caixa de pão e saiu andando pelo templo.

Elmeric era bom em passar despercebido, mas com uma capa chamativa como aquela isso era fisicamente impossível, não demorou muito para perguntarem quem ele era e o que estava fazendo ali. Com a maior cara lavada ele sorria e dizia ser um visitante do templo que se perdeu, disse isso tantas vezes num período tão curto que quase se convenceu disso, até ver uma procissão de sacerdotes correndo para todos os lados e gritando.

-O BAÚ DE MERCIUS! ABRIRAM O BAÚ! – essas palavras o fizeram apertar a capa como se temesse que ela lhe fosse arrancada, se sentia bem com ela, se sentia importante.

-ACHEM O INTRUSO QUE PROFANOU O BAÚ DE MERCIUS! MATEM-NO!
Elfos invejosos, só por que ele fora mais esperto e conseguirá abrir o baú, saiu correndo pelos corredores e escadas e assim que notaram essa estranha fuga começaram a persegui-lo. Seu coração queria pular para fora, não iriam lhe tomar a capa, era dele! Ele abrira a caixa de madeira, ele leu o bilhete de me vista. Encurralado e temeroso, tudo que queria era que as paredes fossem de água, que pudesse atravessá-las e correr pelo campo aberto.

-Não há escapatória... Você será condenado por profanar o baú de Mercius. – era um elfo com ar de importante, cabelos brancos e olhos negros.

-Anda parede... Me deixa atravessar de novo, que droga! – Elmeric esmurrava a parede, não entendia por que a capa não funcionava.

-Você não entende, não sente, não domina os poderes do Deus-Maior. – o elfo deu um passo a frente – Me entregue a capa e se renda... – ele estendeu a mão.

-NUNCA! – se embrulhou na capa como um mendigo se abraçaria a um trapo velho no frio congelante.

-Me entregue a capa e pouparei sua vida... – a mão se manteve firme no ar.

-ELA É MINHA! EU RECEBI O BILHETE! E EU VOU CRIAR UMA VIDA COM ELA! – Elmeric gritou, sabia que não iam fazer nada, tinham medo de estragar a capa, a capa era sua, era sua...Era isso! Por que estava nervoso? Não iriam lhe fazer mal para não danificar a capa. Não podiam tomá-la a força, ela era mágica...e era dele. – Vocês não são donos da magia, seus orelhudos senis.

As paredes ficaram num azul cristalino que lembrava os riachos da terra de Elmeric, atravessou as paredes e saiu correndo para a estrada, para a liberdade, ele nunca iria tirar a capa, era dele! Fora um presente de Mercius para ele! Para mais ninguém... Conseguiu fugir, em seus trancos e barrancos aprendeu a usar a capa, a colorir de forma diferente as coisas ao seu redor e fazer delas algo diferente. Conseguiu fazer uma vida nova, mas não lhe ensinaram que a magia tinha seu preço...

-ELMERIC! NÃO!!! – foram as últimas palavras que ele ouviu de suas irmãs que nunca mais passaram fome, enquanto ele sentia um frio e a respiração dos ceifadores em seu pescoço. Estava... morrendo...

-Minha...é um presente de Mercius...para mim... – suas mãos ainda apertavam a capa quando morreu anos mais tarde , pode-se dizer que sem arrependimentos. Ninguém nunca conseguiu despir a capa de Elmeric, mesmo depois que seu corpo se transformou em ossos e os ossos em pó.

2 comentários:

  1. "-Não é para nós saber, "

    "-Não toque! Aí se nos pegarem"

    "ela resmungou e a cada resmungou ele"

    Tem alguns outros erros menores pelo texto, concordância e tal. O final também está confuso.

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  2. Editei os erros que você apontou, dei uma organizada no final. Esses textos são muito antigos, então é normal que tenham algumas incongruências, mas valeu pela revisão!

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