sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Relíquias dos deuses 4 - As Máscaras de Crisalis

-Cavem mais fundo! Cavem mais fundo seus imprestáveis! – Exércitos de pilhagem não foram feitos para adentrar ruínas e enquanto o capitão gritava, seu braço direito, um goblin franzino e com apenas uma orelha corria para lá e para cá. – CAVEM!

-Chefinho! Encontrei chefinho! Na parede leste... – e o goblin apontava com a tocha em mãos, dando saltinhos de alegria.

-Então leia seu estrupício, miséria da minha vida. – O Ogro cuspiu a menos de dois palmos do goblin que iluminou a parede de rochas trincadas onde haviam entalhes que muito lembravam a letra de uma criança.

-Uma face para outra pessoa ser... Uma face para outros olhares manter...Uma face para de coração trocar... Uma face para todo esse caos reinar! – O goblin deu risadinhas histéricas –
É o templo perdido da mudança chefinho!

-Os camponeses estavam certos...hehehe... – O ogro cuspiu de novo.

Alguns dias mais cedo ele não acreditava, matara quase todos daquela região de fazendeiros e desocupados, gente simples que vive do que planta e se alegra com o que canta. Apenas algumas mulheres que foram escravizadas e um bardo velho sobreviveram, foi o bardo velho que contou a história daquelas terras. Um templo que caíra como uma fogueira que se apaga e a lenda de uma magia tão antiga que vinha de um dos Deuses.

-Qual Deus? – foi a pergunta óbvia do capitão, bem que queria encontrar uma arma abençoada por Belliard que o fizesse conquistar todas as terras. Talvez quem sabe a magia de Mercius para sobrepujar seus inimigos.

-As faces das estátuas foram arrancadas...O templo caiu e não é mais possível ler as escrituras... Ninguém entra lá... O rosto foi apagado e o nome se perdeu!

E NADA fica como um segredo para Grumm, ele que aprendera desde cedo a lutar e a arrancar a verdade junto com carne e sangue de suas vitimas, achou as velhas ruínas, encarou com uma careta as estátuas sem rosto e desceu ao subterrâneo levando sua nova leva escrava para cavar junto ao velho bardo. Enquanto cavavam o velho cantava, e era isso que ele cantava até mesmo depois da leitura do goblin quando Grumm foi olhar seus escravos:

-Mercius que tudo cria, Petrus que a ordem nos trás... Aestus lave nossas terras, até que Mandhros chegue ao caís... E que para outro mundo me leve, longe da guerra e da fome... Paz pra quem trabalha e vive pobre até que morre... – Nesse trecho da música o chão sob os pés das mulheres e do velho bardo desabou.

-O salão principal chefinho! - O goblin gritou dando pulinhos – O templo não caiu, ele afundou... Estávamos nos andares mais altos, mas veja as colunas que o sustentavam...

Grumm ponderou por um momento, não vivera tanto tempo indo na frente, mandou dois soldados irem até o salão primeiro. Nenhum ser com o mínimo de inteligência no primórdio pisaria perto do que acaba de desabar, a menos que seu capitão ameaçasse degolá-lo. O salão era amplo, cheio de colunas, mas no altar principal nada havia além de pedra, escombros e pó.

-Chefinho! Chefinho! – o goblin gritava enquanto Grumm olhava a enorme estátua sem face atrás do altar. – CHEFINHO ESTAS AQUI TÊM FACES!

-O que? – Grumm foi até um dos cantos do salão.

-Deviam ser os guardiões, emissários, ou sacerdotes... Em cada canto há uma estátua, todas com esse manto religioso e uma mascara no rosto! – O goblin apontou, a estátua dava três dele, mas para Grumm não pareciam tão grandes. – Todas são diferentes chefe e tem essas palavras estranhas na base.

-Você é o estudioso, descubra o que quer dizer ou eu te mato e acho alguém que consiga!

A espera não foi longa, com um Ogro enorme e armado gritando por perto é difícil trabalhar com calma, o goblin não estava certo do que estava lendo na base das estátuas, mas decidiu que iria ser aquilo mesmo antes que Grumm quisesse abrir uma vaga ao seu lado. A iluminação das tochas tremulava enquanto o pequeno goblin e o enorme ogro no meio do salão olhavam na direção da estátua sem rosto.

-No altar há um tipo de poema que fala sobre as transições...Estações, mudanças na lua e vida e morte dos seres... – o goblin falava muito devagar, como se esperasse a reação de cada silaba para saber se corria ou continuava – Fica na esquerda da inscrição Mercis, a primeira. – o goblin foi até a estátua com seu chefe o seguindo de perto – Creio que seja uma menção a Mercius o primeiro dos deuses, se você notar, chefinho, a máscara não faz parte da estátua...

De fato Grumm não havia notado antes, acontece que a máscara estava empoeirada, fazendo Grumm achar que era parte da pedra que formava a estatua, foi só o goblin agitar um tecido que a poeira escorreu como água deixando reluzir a máscara. Era uma máscara prateada que cobria do alto da testa até a ponta do nariz, os olhos reluziam escarlates como dois rubis prontos para serem retirados pela ganância de Grumm, que só não o fez por que viu a máscara piscar para ele.

-Creio que seja mágica, chefinho, mas não há instruções em lugar algum... Venha, vou lhe mostrar as outras... – e o goblin se virou – Se seguirmos o ciclo a próxima fica aqui seguindo pela direita... O nome em sua base é Mirage, a Enganação... Deve possuir poderes de ilusões e alucinações, mas seu funcionamento é um mistério – novamente o goblin expulsou a poeira com seu trapo que chamava de tecido.

A máscara se iluminou, parecia muito com vários pequenos cristais espelhados grudados uns nos outros que formavam uma máscara lisa que só não cobria os olhos e a boca, o detalhe que mais surpreendeu o goblin foi que não havia espaço para o nariz, então ninguém conseguiria vesti-la direito, para Grumm o que surpreendia era pensar no valor daqueles cristaizinhos.

-Continuando temos Persis, a Troca... Não faço idéia de que tipo de poder essa máscara pode guardar... – o goblin agitou a poeira e depois de tossir contemplou junto ao seu chefe a máscara que só cobria os olhos e a metade esquerda do rosto, parecia feita de carvão e diamantes, que davam um efeito intercalado que o goblin achava sombrio e o Ogro fascinante. – Chefinho...aquela mais ao canto se chama Mandera, a Última... Creio que seja uma indicação ao Deus dos Mortos... é melhor mantermos-nos afastados...

-Mandhros, é? Hehehe...

Grumm caminhou até a última máscara enquanto seus soldados retiravam as outras das estátuas e as depositavam no altar com ordens do goblin, o goblin as olhava e pensava em tudo que vira no templo caído, tentava desvendar os segredos daquela magia. Pegou Mirage aproveitando-se da distração de seu chefe e começou a examiná-la, enquanto isso no canto do salão Grumm soprou a poeira de Mandera e encarou a Última. Sua forma lembrava a face de um demônio de dentes afiados e boca aberta num grito, os olhos eram como fendas, se o manto de mandhros fosse sólido ele seria muito similar ao material que constituía aquela máscara negra.

-Me dê seu poder Mandhros... – Grumm falou pegando a máscara da estátua ela pareceu mudar de tamanho nas suas mãos, não muito distante dali o goblin pensou a mesma coisa sobre Mirage – Me dê!

Uma vez a cada ano no primórdio duas pessoas muito próximas fazem coisas estúpidas ao mesmo tempo, como por exemplo vestir um artefato velho e enterrado há muito tempo, foi o que Grumm e o goblin fizeram ao vestir Mandera e Mirage. Os outros guerreiros que estavam no templo não continuaram lá por muito tempo, saíram correndo ao ver na frente do altar um enorme dragão que ocupava quase o salão inteiro, nem quiseram saber que fim iria levar o capitão no canto do salão e saíram correndo.

-Onde vocês vão seus imprestáveis? – o goblin jurava que tinha dito isso, mas tudo que ecoou pela sala foi um som estrondoso que fez as pedras menores se moverem saindo da boca de um dragão negro e cheio de cicatrizes estranhas.

-Hahahah!Hahahahahaha!HAHAHAHAHAHAHAHAHA! EU ME SINTO TÃO FELIZ!

Grumm não parava de rir, parecia drogado ou talvez alguém que tivesse levado muitas pancadas na cabeça, seus olhos dentro da máscara brilhavam num tom metálico, podia sentir como se a máscara grudasse em seu rosto, estava quente e quanto mais quente ficava mais não sabia por que estava rindo.

-Chefinho? Chefinho? – o goblin tirou a máscara e a colocou no altar, saiu correndo na direção do Ogro que gargalhava como um insano depois de muitas horas de tortura.

-Não o toque! – a voz encheu o salão, o goblin se virou procurando onde ela estava a tempo de ver uma humana de longos cabelos castanhos e armada como uma guerreira de pé na frente das outras máscaras. Ela própria usava uma máscara que lembrava a face de um cachorro. – Se tocar o portador de Mandera, serás afligindo por seus poderes caóticos!

-Quem diabos é você? – o goblin perguntou se afastando alguns passos do Ogro que agora rolava no chão rindo.

-Aqueles que guardam este templo não precisam de nomes, assim como Crisalis não precisa de uma face! – a humana ergueu a mão e o goblin notou outras três mulheres atrás dela, uma ferlix com uma máscara de pássaro, uma elfa com máscara de peixe e uma norfss com uma máscara de gato. – Ele profanou o tempo da Deusa da Mudança, e agora será transformado de conquistador a conquistado!

-Que diabos vocês fizeram? Da pra me explicar o que ta acontecendo aqui?

-Você não soube interpretar o aviso no andar acima. Uma face para outra pessoa ser é Mercis, a máscara da personalidade que muda sem aviso a mente de seu portador. – falou a ferlix com máscara de pássaro. – Assim como aquele que a veste muda... Pode mudar o que as pessoas ao seu redor são... Mentes frágeis são facilmente alteradas pelo meio e a dádiva de Crisalis muda tudo!

-Uma face para outros olhares manter é Mirage, que muda sua forma para o que bem desejar. – começou a explicar a elfa com máscara de peixe – Somos o que somos, não o que os outros vêem... Apenas os sábios e de mente forte reconhecem e podem controlar os poderes desta máscara!

- Uma face para de coração trocar é Persis, cujo extremo do poder vira a própria alma do avesso e sua maior característica se tornará o exato oposto. Talvez lhe desse mais sabedoria e menos humilhação, goblin servil! – exclamou a norfss de máscara de gato.

-Calem a boca, suas cadelas imundas!

-Aqueles que profanam o templo pagam por isso... Mandera, a última e única que reina sobre todo o caos! A máscara que reúne os poderes de Mercis, Mirage e Persis com a malicia de Mandhros e a inconstância de Crisalis! Mandera a obra prima da Deusa da mudança já puniu seu mestre... Ele agora é vestido pela máscara que fará dele o que bem quiser assim como a todos que o tocarem, quanto a você...

-Você que o seguiu cego até as profundezas terá outro castigo! – as quatro falaram em uníssonos ficando lado a lado – Mudaremos teu destino, estampando no seu rosto a máscara de tormento que você ajudou a estampar no de outros!

O goblin gritou, mas ninguém poderia ouvir, ninguém que importasse uma vez que o capitão, o bravo Grumm vitorioso de muitas batalhas nada conseguia fazer além de rir de maneira maníaca. Mercis, Mirage e Persis foram embrulhadas e levadas embora, ali não era mais segredo... Mas Mandera permaneceu no rosto do qual se apossou, pois ninguém poderia tocar Grumm sem sofrer um dos reveses da máscara.

O templo em ruínas foi trancado, mas correntes e barreiras não seguraram o enorme ogro por muito tempo, de períodos em períodos o ogro era sobrepujado e transformado em algo novo... Horas humanos, horas norfss, horas elfo... Às vezes frio, às vezes sádico, às vezes traiçoeiro, regularmente audacioso e raramente gentil. Nunca mais lhe viram a face, por trás da máscara de demônio que grita, só viam a mudança constante de uma alma maldita.

-HahahahahaaaaHAHAHAHAHAHA! Eu sou o rei do mundo! – gritaria Grumm décadas mais tarde, com aquela sensação de felicidade sem cabimento, com as mãos estiradas para o céu. – Nem os Deuses podem me deter agora...hahahahahaha!

-Não blasfeme... – Grumm se virou para a origem da voz, enraivecido ao ver os quatro vultos de mulheres com máscaras – Seu mundo acaba hoje, escravo de Mandera!

-Eu uso a máscara! Eu vou governar o mundo! – Grumm gritou pegando seu machado colorido por completo de sangue.

-A máscara o usa, mortal imundo!

Uma flecha humana, um relâmpago élfico, uma agulha norfss e uma adaga ferlix foram necessárias para que Grumm ficasse parado, mais três flechas, três relâmpagos, três agulhas e três adagas foram necessárias para matá-lo. O poder maldito de Mandera o mandava continuar a lutar, mas já era tarde e a terra jogada pelas guardiãs das máscara já lhe cobria o rosto que não era mais dele. Alguns anos depois iriam procurar por aquele lugar, aquela máscara, aquele Grumm que morreu misteriosamente depois de espalhar terror e discórdia, mas já não havia mais nada o que achar. E tanto as faces da mudança quanto a verdade se perderam naquele dia, e jamais outro registro de Mandera fora encontrado.

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